Por que as mudanças são tão lentas na educação?
Especialista em mudanças na educação presencial e a distância
Por que numa época de grandes
mudanças sociais, elas acontecem de forma tão lenta na educação? Por
que profissionais inteligentes se acomodam em rotinas, em modelos
repetitivos, que muitas vezes causam pouca realização pessoal,
profissional e econômica? Sem dúvida a educação depende de melhores
condições de formação, remuneração e valorização profissional. Mas
quando observamos instituições educacionais públicas e privadas de
renome e que possuem relativamente boas condições de trabalho, ainda
assim os resultados são muito inferiores ao desejável. Por que
profissionais educacionais bem preparados demoram para executar
mudanças pedagógicas e gerenciais necessárias?
Mudanças dependem de uma boa gestão
institucional com diretrizes claras e poder de implementação, tendo os
melhores profissionais, bem remunerados e formados (realidade ainda
muito distante). Mas um dos caminhos que pode esclarecer algumas
dificuldades da mudança pessoal é que as pessoas têm atitudes diferentes
diante do mundo, da profissão, da vida. Em todos os campos encontramos
profissionais com maior ou menor iniciativa, mais ou menos motivados,
mais convencionais ou proativos. Nas instituições educacionais –
organizações cada vez mais complexas - convivem gestores e professores
com perfis pessoais e profissionais bem diferentes.
Numa primeira análise, constatamos
que existem, basicamente, dois perfis profissionais (com diferentes
variáveis e justificativas): os automotivados e os que precisam de
motivações mais externas. Os automotivados são mais ativos, procuram
saídas, não se detêm diante dos obstáculos que aparecem e por isso
costumam realizar mais avanços a longo prazo. Os motivados externos são
mais dependentes, precisam ser mais monitorados, orientados, dirigidos.
Sem essa motivação externa perdem o ímpeto, quando aparecem
dificuldades, ou quando o controle diminui. Os automotivados pesquisam
e, com poucos recursos ou condições, constroem novos projetos. Os
dependentes, nas mesmas ou melhores condições, preferem executar
tarefas, obedecer ordens, realizar o que outros determinam. Os
dependentes querem receitas, os automotivados procuram soluções. Por
que uns são mais motivados do que outros? Uma das explicações, na minha
opinião, é que os motivados procuram ou encontram um sentido mais
profundo no que fazem na vida do que os dependentes, que encaram a
educação mais como profissão e sobrevivência econômica, sem outros
ideais que os orientem.
Nas mesmas instituições educacionais e
nas mesmas condições, gestores, professores, funcionários mostram
posturas e perfis diferentes. Encontramos basicamente quatro tipos de
profissionais:
1. Profissionais previsíveis
São gestores e professores que
aprendem modelos e tendem a repeti-los permanentemente. Gostam da
segurança, do conforto da repetição. Dependem de motivações externas.
Fazem pequenas alterações, quando pressionados, mas, se a pressão da
autoridade diminui, o comportamento tradicional se restabelece.
Encontramos profissionais previsíveis competentes, que realizam um
trabalho exemplar, sério, dedicado. E encontramos também previsíveis
pouco competentes, pouco preparados, que copiam modelos, receitas sem
muita criatividade.
2. Profissionais proativos, automotivados
São gestores e professores que buscam
sempre soluções, alternativas, novas técnicas, metodologias. Procuram,
em condições menos favoráveis, fazer mudanças (se motivam para
continuar aprendendo). Diante de novas propostas ou idéias, fazem
pesquisa, e procuram implementá-las e avaliá-las.
Temos duas categorias de proativos:
Uns são dinâmicos, ágeis e implementam soluções previsíveis,
conhecidas, aprendidas em palestras ou cursos de formação. Outros são
proativos inovadores: Trazem propostas diferenciadas, ainda não
tentadas antes. Ambos são importantes para fazer avançar a educação,
mas é dos inovadores neste momento que precisamos mais.
3. Profissionais acomodados
São professores e gestores que
procuram a educação porque – na visão deles - é uma profissão pouco
exigente e muito segura. Não se ganha muito, mas permite ser levada
como “um bico”, sem muito compromisso. São profissionais burocráticos,
que fazem o mínimo para se manter; questionam os motivados, os jovens
idealistas; culpam o governo, a estrutura, os alunos pelos problemas.
Muitas vezes ocupam cargos importantes e os utilizam em proveito
próprio ou de grupos específicos, que os apóiam ou elegem. São um peso
desagregador e imobilizador nas escolas, que torna muito mais difícil
realizar mudanças.
4. Profissionais com dificuldades maiores
Alguns tem dificuldades momentâneas
ou conjunturais. Passam por uma crise pessoal ou familiar, ou alguma
doença que dificulta o seu desempenho profissional. Com o tempo se
recuperam e retomam o ritmo anterior. Mas também há profissionais que
possuem dificuldades mais profundas. Pode ser de relacionamento - são
difíceis, complicados, não sabem trabalhar em grupo – de esquizofrenia,
de autocentramento – se acham os donos do mundo – e tantas outras. São
pessoas difíceis, que complicam muito o andamento institucional, a
relação pedagógica e a gestão escolar.
Nas instituições convivem estes
quatro tipos de profissionais, que contribuem de forma diferente para os
avanços necessários na educação:
- Os previsíveis, mesmo vendo os problemas, preferem continuar com
sua rotina confortável e só mudam com uma pressão continuada externa.
- Os proativos estão prontos para fazer mudanças, mesmo antes de
serem solicitadas institucionalmente e procuram implementá-las em
pequena escala, quando não há ainda uma política institucional que
favoreça as mudanças.
- Os acomodados são os que mais criticam o estado das coisas, os que
culpam os demais pelos problemas – governo, direção, alunos mal
preparados, condições de trabalho, salários baixos – e utilizam esses
questionamentos que fazem sentido para justificar sua não ação, sua
pouca preocupação com as mudanças efetivas. Criticam muito, realizam
pouco e atrapalham os proativos, muitas vezes com críticas corrosivas e
pessimistas (“já vimos esse filme antes e não deu em nada”, “isso é
fogo de palha, idealismo de jovens...”).
- Os que têm dificuldades maiores são também um peso na mudança,
porque ou estão em um período complicado e pouco podem contribuir ou
possuem personalidades difíceis, ariscas, autoritárias, que tornam
complexa a convivência, quanto mais a mudança.
A gestão das mudanças
É importante ressaltar que a atitude fundamental de maior ou menor
proatividade pessoal não é inata, pode ser aprendida e modificada por
cada um. As atitudes não são definitivas. Uns migram de uma atitude
mais passiva para outra mais dinâmica, quando acham sentido novo no que
fazem. Outros podem cansar-se de ser pró-ativos incompreendidos e se
acomodam no convencional.
A mudança pode ser induzida, provocada, preparada. Quando há uma
insistência institucional maior, quando os gestores mantêm por muito
tempo a atenção focada na mudança ela acontece mais facilmente. Quando
surge num ímpeto temporário, sem o acompanhamento permanente, costuma
provocar uma acomodação dos que não estão motivados. Preferem voltar ao
conforto do habitual. Em organizações fragmentadas em grupos, nichos,
onde não há diretrizes e modelos de gestão convergentes, as mudanças
são muito mais difíceis, porque dependem do voluntarismo pessoal e
grupal e não da gestão profissional convergente.
Para a mudança da mentalidade acomodada de muitos gestores e
educadores, o mais importante é criar condições de trabalho, econômicas
e de formação para que os melhores alunos encontrem motivos para serem
professores e ter um processo de seleção que realmente escolha os
melhores candidatos.
Vale a pena que, além de profissionalizar a gestão institucional,
mostrar na gestão pessoal que sendo pró-ativos conseguimos maior
realização e ganhos profissionais em reconhecimento e econômicos. Os
proativos são mais requisitados, porque trazem mais benefícios para a
instituição, se souberem também trabalhar em equipe. Muitos pensam que
fazendo o previsível, já é suficiente e é o melhor na relação
custo-benefício. Há pouco incentivo para mostrar que a mudança, que a
atitude positiva, proativa traz uma realização muito maior,
principalmente a longo prazo. É importante fazer uma divulgação maior
dos empreendedores, dos inovadores, dos proativos, dos que trazem
contribuições significativas para a instituição, para os alunos e
também para si mesmos.
Propostas de mudança num período de transição
Na educação costumamos apresentar
propostas pedagógicas fechadas ou iguais para todos. Diante da
diversidade de posturas profissionais e motivações diferentes dos
profissionais, penso que seria interessante apresentar propostas
pedagógicas com alguma flexibilidade:
- para os mais previsíveis e motivados externamente, funciona mais
criar conteúdos,roteiros detalhados de aprendizagem, atividades,
avaliação (passo a passo). Precisam de materiais, livros, orientações
específicas.
- para os automotivados e proativos é mais importante mostrar
possíveis caminhos, roteiros de aprendizagem diferenciados. O
importante não é o conteúdo pronto, mas as dinâmicas, as atividades, as
possibilidades de pesquisa, a criação de condições de aprendizagem
(motivar, orientar...), a relação teoria-prática, os projetos.
Na educação precisamos da
flexibilidade criativa dos pró-ativos e da previsibilidade também,
porque a maioria prefere o que é o previsível ao inovador. Os
automotivados e pró-ativos gostam de menos detalhamento. Inventam mais
os próprios caminhos, desenvolvem seus projetos. Como temos atualmente
mais profissionais motivados externamente do que proativos precisamos
de estratégias diferenciadas para poder conseguir fazer mudanças mais
significativas e profundas.
As Secretarias de Educação podem
preparar materiais detalhados de como ensinar cada conteúdo específico
para a maioria dos docentes, porque eles se sentem mais confortáveis e
seguros com eles. Esses professores não exploram muito por conta
própria os roteiros de aprendizagem. Daí o sucesso das empresas que
fornecem pacotes com livros e materiais multimídia prontos, iguais para
todos. Ao mesmo tempo precisam sinalizar, apoiar e incentivar mudanças
profundas na organização pesada atual, apoiando inovações no
currículo, nas metodologias, na organização de ensino e aprendizagem, na
inserção de tecnologias em rede, na formação continuada, apoiando
gestores, professores e escolas que apresentem projetos pedagógicos
viáveis neste período de transição para outros diferentes em
construção, e que serão realizados certamente pelos mais automotivados
inovadores. As mudanças na educação são lentas e difíceis, mas precisam
ser aceleradas porque o que temos feito até agora é estruturalmente
insuficiente para acompanhar o ritmo alucinante experimentado pela
sociedade como um todo.
Texto complementar ao meu livro A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. 4ª ed. Campinas: Papirus, 2009.
Fonte: http://www.eca.usp.br/prof/moran/escola.htm